Já foi há quase 4 anos,
dia 19 de Março, dia do pai, um dia a seguir aos meus anos que fiquei
sem o meu melhor amigo. Sem o meu companheiro dos dias. Sem ouvir o seu
ressonar à noite a ecoar nas paredes do meu quarto ou da cozinha, quando
estava mais calor. Sem alguém que vá a correr para a porta sempre que
eu entro em casa, com uma alegria desmedida, fosse a minha ausência de 5
minutos ou 5 dias. Sem alguém que fosse apanhar os bocados de comida do
chão que caíam enquanto eu estava a preparar o jantar, ou o lanche. Sem
alguém que viesse ter comigo e fazer-me sentir que fosse qual fosse o
problema tudo iria ficar bem.
Desde que me lembro de
ser gente que me lembro de querer um cão. No meu diário quando tinha 12
anos escrevi "O meu maior sonho era ter um cão ou ter os poderes do
Songoku" e isto diz muito sobre o quanto eu queria ter um cão, porque
ter os poderes do Songoku era do catano. Mas os meus pais nunca foram na
conversa durante anos, até que, sem saberem como, já com mais de 20
lhes dei a volta. Apaixonaram-se por ele no momento em que o viram. Os
xixis ocasionais no tapete do corredor, os chinelos roídos e os pelos no
sofá deixaram de ser problema. Era mais um lá em casa que sujava.
Era o melhor cão do
mundo e eu tentei ser o melhor dono possível, e acho que fui. Passei os
últimos 3 meses da vida dele a dar-lhe comida à boca, a comprar toda a
comida possível para lhe despertar o apetite, a cozinhar para ele. A
dar-lhe antibióticos de 4 em 4 horas, todos os dias na esperança, que
era pouca, que ele melhorasse e não se fosse. Apesar dessa dedicação lhe
ter dado mais 2 meses do que o prognóstico inicial, acabou por ir.
Vi-lhe os olhos a fechar e o corpo a abater-se quando se lhe entrou o
líquido da seringa. A médica disse que era melhor eu não estar presente,
mas eu estive. Ele merecia isso. Merecia que eu fosse a última coisa
que ele visse, que estivesse calmo antes de lhe darem o sedativo.
Merecia que eu lhe desse uma festa e dissesse que ia correr tudo, que
depois disso já não ia sofrer a tentar respirar, porque já não ia
precisar de o fazer.
São poucas as pessoas
que amei mais do que amei o meu cão. Mais que muita gente que é ligada a
mim por sangue. Quando ele já estava muito doente, a minha mãe ligou-me
quando eu estava fora de casa. Eu atendo e vejo na voz dela que algo
não estava bem, pensei que tivesse chegado o dia, mas não. Era um tio
meu que tinha morrido de ataque cardíaco. Quis ficar triste mas não
consegui. O alívio de não ter sido o Zen a morrer foi maior.
Quem não tem, ou nunca
teve provavelmente não compreende. Não consegue conceber como se
consegue gostar tanto de um animal, que para mim era uma pessoa. Não
tenho filhos, mas gostava dele como se fosse um. E quem diz que não se
deve comparar que vá à merda, porque eu trocava o teu filho por o meu
cão sem pensar 1 vez. Saber que há pessoas capazes de abandonar um cão,
ou de o mal tratar de outras formas, faz-me querer estar com elas
cara-a-cara numa sala fechada onde as leis não se aplicam. Deviam ser
abatidas mas sem a bondade de uma morte calma e indolor como foi a do
Zen.
Sempre pensei que o pior que podia acontecer era ter que se decidir quando abater um cão. Talvez pela palavra abater, que é horrível. Talvez por me ter morrido antes um, com 5 meses, no colo, de repente. Sempre achei que era pior ter que se decidir por fim à vida do nosso melhor amigo quando ele ainda dá sinais de dela e de alegria ocasional. Quando por muito mal que esteja haja sempre esperança de recuperar. Mas não foi difícil. Foi fácil. Foi perceber que era egoísmo ele continuar vivo. Na noite dos meus anos decidi que de manhã iria dar-lhe paz. Ele sempre me apaziguou e acalmou, sempre me tirou a depressão ao deixar fazer-lhe uma festa no focinho enrugado, e eu, como melhor amigo dele, tive que o deixar ir. Foi fácil. O difícil é lembrar-me dele todos os dias e saber que nunca mais o vou ver. Porque o céu onde ele está não existe, só existe onde ele deitava a cabeça para dormir. No meu peito."
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