‘A inútil’ escreveu
assim a Miguel de Sousa Tavares :
Sobre os Professores
É do conhecimento
público que o senhor Miguel de Sousa Tavares considerou ‘os professores os inúteis mais bem pagos deste
país.’ Espantar-me-ia uma afirmação tão generalista e imoral, não conhecesse já
outras afirmações que não diferem muito desta, quer na forma, quer na índole.
Não lhe parece que há inúteis, que fazem coisas inúteis e escrevem coisas
inúteis, que são pagos a peso de ouro? Não lhe parece que deveria ter dirigido
as suas aberrações a gente que, neste deprimente país, tem mais do que uma
sinecura e assim enche os bolsos? Não será esse o seu caso? O que escreveu é um
atentado à cultura portuguesa, à educação e aos seus intervenientes, alunos e
professores. Alunos e professores de ontem e de hoje, porque eu já fui aluna,
logo de ‘inúteis’, como o senhor também terá sido. Ou pensa hoje de forma
diferente para estar de acordo com o sistema?
O senhor tem filhos? –
a minha ignorância a este respeito deve-se ao facto de não ser muito dada a ler
revistas cor-de-rosa. Se os tem, e se estudam, teve, por acaso, a frontalidade
de encarar os seus professores e dizer-lhes que ‘são os inúteis mais bem pagos
do país.’? Não me parece… Estudam os seus filhos em escolas públicas ou
privadas? É que a coisa muda de figura! Há escolas privadas onde se pagam
substancialmente as notas dos alunos, que os professores ‘inúteis’ são
obrigados a atribuir. A alarvidade que escreveu, além de ser insultuosa, revela
muita ignorância em relação à educação e ao ensino. E, quem é ignorante, não
deve julgar sem conhecimento de causa. Sei que é escritor, porém nunca li
qualquer livro seu, por isso não emito julgamentos sobre aquilo que desconheço.
Entende ou quer que a professora explique de novo?
Sou professora de
Português com imenso prazer. Oxalá nunca nenhuma das suas obras venha a
integrar os programas da disciplina, pois acredito que nenhum dos ‘inúteis’ a
que se referiu a leccionasse com prazer. Com prazer e paixão tenho leccionado,
ao longo dos meus vinte e sete anos de serviço, a obra de sua mãe, Sophia de
Mello Breyner Andersen, que reverencio. O senhor é a prova inequívoca que nem
sempre uma sã e bela árvore dá são e belo fruto. Tenho dificuldade em
interiorizar que tenha sido ela quem o ensinou a escrever. A sua ilustre mãe
era uma humanista convicta. Que pena não ter interiorizado essa lição! A lição
do humanismo que não julga sem provas! Já visitou, por acaso, alguma escola
pública? Já se deu ao trabalho de ler, com atenção, o documento sobre a
avaliação dos professores? Não, claro que não. É mais cómodo fazer afirmações
bombásticas, que agitem, no mau sentido, a opinião pública, para assim se
auto-publicitar.
Sei que, num jornal
desportivo, escreve, de vez em quando, umas crónicas e que defende muito bem o
seu clube. Alguma vez lhe ocorreu, quando o seu clube perde, com clubes da
terceira divisão, escrever que ‘os jogadores de futebol são os inúteis mais bem
pagos do país.’? Alguma vez lhe ocorreu escrever que há dirigentes desportivos
que ‘são os inúteis’ mais protegidos do país? Presumo que não, e não tenho
qualquer dúvida de que deve entender mais de futebol do que de Educação. Alguma
vez lhe ocorreu escrever que os advogados ‘são os inúteis mais bem pagos do país’?
Ou os políticos? Não, acredito que não, embora também não tenha dúvidas de que
deve estar mais familiarizado com essas áreas. Não tenho nada contra os
jogadores de futebol, nada contra os dirigentes desportivos, nada contra os
advogados.
Porque não são eles
que me impedem de exercer, com dignidade, a minha profissão. Tenho sim contra
os políticos arrogantes, prepotentes, desumanos e inúteis, que querem fazer da
educação o caixote do (falso) sucesso para
posterior envio para a Europa e para o mundo. Tenho contra pseudo-jornalistas,
como o senhor, que são, juntamente com os políticos, ‘os inúteis mais bem pagos
do país’, que se arvoram em salvadores da pátria, quando o que lhes interessa é
o seu próprio umbigo.
Assim sendo, Sr.
Miguel de Sousa Tavares, informe-se, que a informaçãozinha é bem necessária
antes de ‘escrevinhar’ alarvices sobre quem dá a este país, além de grandes
lições nas aulas, a alunos que são a razão de ser do professor, lições de
democracia ao país. Mas o senhor não entende! Para si, democracia deve ser
estar do lado de quem convém.
Por isso, não posso
deixar de lhe transmitir uma mensagem com que termina um texto da sua sábia
mãe: ’Perdoai-lhes, Senhor Porque eles sabem o que fazem.’
Ana Maria Gomes
Escola Secundária de
Barcelos
Subscrevo todas as palavras e acrescento que há por aí muito boa gente e precisar de ouvir as mesmas palavras, ou até mais duras. O que não falta são inúteis, mas não são os professores, certamente.
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